Séries Novas - Manhunt Unabomber

Ontem comecei a ver mais uma série (sim, porque vejo pouquíssima coisa... mas porque nada me está a excitar propriamente!). Desta achei interessante e pronta para ver o episódio 2 hoje à noite.

A série Manhunt, Unabomber, disponível na Netflix, merece ser vista por várias razões. A história retrata, com base em acontecimentos reais, as investigações conduzidas pelo FBI para encontrar o responsável por uma série de atentados terroristas nos EUA por aquele que passou a ser chamado de Unabomber (acrônimo para university, airline bomber). Em um período de 18 anos, entre 1978 e 1995, ele perpetrou 16 atentados, enviando artefatos explosivos pelo correio.A série conta, em oito episódios, o que ocorre após a seleção de um novo perfilador, Jim Fitzgerald, para a força-tarefa do FBI encarregada de descobrir a identidade do “Unabomber”. Fitzgerald consegue, após muitos percalços e resistências institucionais, encontrar evidências que permitem a identificação do terrorista como Ted Kaczynski. O método de Fitzgerald, de análise linguística, surpreende os policiais e inaugura a trajetória da Linguística Forense nos EUA.
Há dois recortes temporais nos episódios: a fase final das investigações, com o protagonismo de Jim Fitzgerald, e a fase judicial, em que a figura de Kaczynski se destaca. Nessa parte, há o momento mais ficcional da série, porque, na vida real, “Fitz” e “Ted” nunca se encontraram.
Kaczynski tem uma história muito singular. Ele foi aceito pela Universidade de Harvard aos 16 anos, obteve seu doutorado em matemática e tornou-se professor na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Todos imaginavam que ele haveria de construir uma magnífica carreira acadêmica, mas ele renunciou à universidade apenas dois anos após começar a lecionar. Sua escolha, na verdade, foi muito mais radical e o levou para uma vida de isolamento em uma área de florestas em Lincoln, Montana. Convencido de que a tecnologia e a moderna civilização industrial estavam conduzindo a humanidade à destruição e à completa impossibilidade de uma vida digna e livre, viveu em uma cabana sem luz elétrica e água encanada, tentando sobreviver no estilo de vida que sustentava como o modelo necessário para a “Revolução”. É também nessa cabana que ele prepara os artefatos explosivos que irão disseminar a dor e a morte.
Unabomber sintetizou suas concepções em um Manifesto, “A sociedade Industrial e seu Futuro”, assinado com as iniciais F.C., referência a um imaginário “Freedom Club” (Clube da Liberdade). O Manifesto é referido na série em termos bem genéricos, o que despertou minha curiosidade de conhecê-lo (texto original em https://goo.gl/fUKY7k; versão em português em: https://goo.gl/Mc64Gp ). Trata-se de um calhamaço de 232 parágrafos, mais 36 notas, que apresenta o delírio de seu autor em termos críticos e aparentemente sóbrios.
Ele parte da ideia de que as modernas sociedades conduziram a humanidade a uma desgraça generalizada, o que não se confunde com as promessas não cumpridas de bem-estar, razão pela qual seu tema não envolve preocupação com mazelas como a fome, a miséria ou a violência. Pelo contrário, o que motiva seu diagnóstico é a perda da autonomia dos seres humanos promovida pela satisfação das necessidades básicas e pelo controle cada vez maior do cotidiano, das expectativas individuais e da mente das pessoas. Para ele, as sociedades modernas querem eliminar a miséria, acabar com o racismo e promover o trabalho das mulheres, porque esses são objetivos funcionais ao “sistema”. Haveria, assim, por trás dos valores morais e das iniciativas políticas, uma “lógica oculta”, funcionando para além das vontades e intenções.
Segundo o Manifesto, os conservadores se enganam quando denunciam a progressiva perda dos valores tradicionais e seguem apoiando o crescimento da economia e o que chamam de progresso. O que não lhes teria ocorrido é que toda mudança rápida da tecnologia e da economia também provoca mudanças drásticas quanto aos valores. A visão de Unabomber é de menosprezo pelos direitos constitucionais – que seriam meramente formais ou “burgueses” [i]– uma vez que o grau de liberdade estaria determinado pela estrutura econômica e tecnológica, não pelo sistema político (aqui, claramente, seu argumento ecoa o Marx de “A Questão Judaica”[ii]). Ele prossegue argumentando que de nada lhe valeu, por exemplo, a liberdade de imprensa e que, para ser ouvido, “foi preciso matar algumas pessoas”.[iii]
Unabomber convoca os revolucionários à luta internacional (sim, a revolução não seria possível em um só país) pela destruição da sociedade industrial e tecnológica que, por definição, não poderia ser reformada. Seria preciso debilitar o sistema cada vez mais, para que a revolução se tornasse possível. Por consequência, nada de “melhorias” ou – supremo equívoco – nada de chegar ao governo. Ele também prescreve orientações quanto à ideologia a ser desenvolvida para a propaganda da sua plataforma, sendo que a ideia a ser instrumentalizada deveria ser a de “natureza selvagem”.
O Manifesto, que se assume como anarquista, procura se diferenciar das posições identificadas como “esquerdistas”, porque observa nelas a mesma inclinação liberticida dos conservadores.
(…) Quando os bolcheviques na Rússia eram outsiders, eles se opuseram, vigorosamente, à censura e à polícia secreta, defenderam a autodeterminação para as minorias étnicas e assim por diante; mas, logo que chegaram ao Poder, impuseram uma censura ainda mais rigorosa e criaram uma polícia secreta ainda mais cruel que a dos tzares, e passaram a oprimir as minorias étnicas da mesma forma, pelo menos, como os tzares haviam feito. [iv]Depois de assistir à série e de ler o Manifesto, fiquei a pensar sobre até que ponto as perspectivas revolucionárias – no sentido tradicional de uma ruptura almejada, mais ou menos violenta, orientada pela destruição do “Estado burguês” – seguem sendo compartilhadas no século XXI por movimentos inspirados pelas ideologias marxista e anarquista. Aparentemente, muitos são os que seguem carregando esse aparato conceitual do século XIX, não só jovens idealistas e incultos, mas também algumas lideranças políticas maduras e escolarizadas.
Há dois enigmas aqui. Primeiro, seria preciso saber como tais visões tradicionais podem se manter diante do desastre histórico simbolizado pelo Gulag e pelo conjunto de monstruosidades acumuladas por um século na experiência do “Socialismo Real”, do Camboja à Moçambique; de Cuba à Coreia do Norte; da Romênia à China. Segundo, seria preciso saber como é possível reservar os valores “revolucionários” em meio aos compromissos políticos sustentados por toda a esquerda. Afinal, alguém sustenta seriamente que seja possível harmonizar a tradição revolucionária e seus símbolos de violência com os ideais democráticos e com a defesa dos direitos humanos?



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